A quem possa interessar, o artigo do dr. Jésse Teixeira na grafia original.
VOL. II MARÇO DE 1940 N U M: 3
B R A S I L - C I R U R G I C O
ORGÃO OFICIAL DA SOCIEDADE MEDICO - CIRÚRGICA DO HOSPITAL
GERAL DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO RIO DE JANEIRO
______________________
Fundadores :
Profs. : BRANDÃO FILHO e OSWALDO DE ARAÚJO
Diretor-responsável — Prof. OSWALDO DE ARAÚJO
______________________
Redação e Administração
RUA SETE DE SETEMBRO, 73 — 1º ANDAR
Caixa Postal 3673 — RIO DE JANEIRO — Telefone: 23-3878
HOSPITAL DE PRONTO SOCORRO — Rio de Janeiro
Serviço Daniel de Almeida
"COMPLICAÇÕES PULMONARES POSTOPERATORIAS"
( 1 )
CONTRIBUIÇÃO A´ SUA PROPHYLAXIA
Pelo DR. JÉSSE TEIXEIRA.
Com o intuito de contribuir para o estudo das complicações pulmonares postoperatorias,
principalmente no que se refere á sua prophylaxla, apresentamos aqui o
relato de nossas conclusões, baseadas em 150 casos, dos quaes cerca de 60% observados
no Hospital de Prompto Soccôrro.
A circumstancia de ser o Hospital de Prompto Soccôrro, estrictamente, um
hospital de urgência, confere ao methodo preventivo, que empregamos, segura garantia
de efficacia e utilidade. Sabem todos que os imperativos da cirurgia de urgência afastam
qualquer cuidado pre-operatorio, ficando asslm os doentes desamparados, ante a ameaça
da complicação pulmonar post-operatoria, uma vez que a tão decantada vaccina antibronchopneumonica
é de uma fallibilidade comprovada.
_______________________
(1) — Trabalho premiado pela Sociedade Acadêmica de Medicina e Cirurgia — premio de
Cirurgia de 1939.
V — PROPHYLAXIA
Fora do ambito da cirurgia de urgência, são numerosos os meios prophylatlcos
das complicações pulmonares post-operatorias (eleição do doente e da anesthesia, cura
de catharros das vias respiratórias, saneamento da bocca, prevenção de resfriamentos,
exercícios respiratórios, inhalações de carbogenio, etc.). Todos, aliás, muito precários.
Para a prophylaxla destas complicações ha, comtudo, um recurso, que,
segundo as observações do seu autor e as nossas próprias, ao que parece únicas em
nosso meio, é da mais alta valia, podendo ser vantajosamente empregado, quer na
cirurgia de urgência, quer nos casos em que o doente pode ser preparado.
Trata-se da autohemotransfusão de 20 cc. logo após a operação; estando o
doente ainda na mesa de operação, retiram-se 20 cc. de sangue de uma veia da prega do
cotovello, que são immediatamente injectados na nádega.
Baseamo-nos em 150 observações (1) das quaes, a maioria, pertencentes á
cirurgia de urgência, através dos casos passados pelo Serviço "Daniel de Almeida" a
cargo do Dr. JORGE DORIA, no Hospital de Prompto Soccôrro.
Deixamos de publicar aqui grande numero .de observações também favoráveis á
utilidade do methodo, que foram feitas por collegas nossos nos seguintes serviços : 13.a
Enfermaria da Santa Casa (Serviço do Dr. DARCY MONTEIRO) pelo doutorando CARLOS
TEIXEIRA, serviço do Dr. G. ROMANO (Hospital da Gambôa) pelo doutorando OSCAR DE
FIGUEIREDO BARRETTO e Serviço Chapôt-Prevost (Hospital de Prompto Soccôrro) a
cargo do Dr. DARCY MONTEIRO, pelo doutorando MONTEIRO DE FIGUEIREDO.
_______________________
(1) — Agradecemos a intelligente e proveitosa collaboração do Dr. Annibal Luz, distincto
collega e amigo de todas as horas.
Março – 1940
COMPLICAÇÕES PULMONARES POST-OPERATORIAS
Foi-nos suggerida a attenção a o assumpto em fins de 1937, pelo jovem e brilhante
docente Dr. SYLVIO D'AVILA, que chefiava a 12.a enfermaria da Santa Casa, de que éramos
interno, sendo as primeiras 60 observações alli colhidas.
A suggestão do nosso chefe de então se prendeu a um artigo publicado no
"The American Journal of Surgery" (May, 1936 —pag. 321), intitulado
"Autohemotransfusion in Preventing Postoperatlve Lung Complications" e assignado por
MICHAEL W. METTENLEITER (cirurgião do Post-Graduate Hospital, de Nova York).
METTENLEITER, considerando os excellentes resultados do processo, como
methodo curativo das pneumonias post-operatorias declaradas, onde foi aconselhado por
VORSCHUTZ, reslveu empregal-o, como prophylatico, em 300 casos de sua clinica
particular e não teve uma só complicação pulmonar, a não ser pequena área
thrombótica em um pulmão, cinco dias após a operação.
Antigamente, o emprego da autohemotransfusão se submettia ás influencias
fecundas, nas anti-scientificas do empirismo. Hoje, porém, temos uma explicação
razoavelmente clara e perfeitamente acceitavel de sua acção. Quando o sangue
empregado fora de sua situação normal, no apparelho circulatório, elle se torna uma
substancia completamente differente para o organismo.
O sangue extrahido por puncção venosa é um sangue asphyxico que, por curto
lapso, se põe em contacto com um corpo extranho (seringa), o que é sufficiente para
provocar modificações na sua physico-chimica e, por isso, injectado no organismo, actua
como si fora uma proteína extranha. De todos, é conhecido o effeito estimulante das
proteínas paren-teraes sobre o systema sympathlco e o para-sympathlco, pelo que
occorrem reacções vaso-motoras e teciduaes em todo o organismo.
WIDAL observou accentuada diminuição dos leucocytos em todo o systema
vascular perlpherico. Porém, mais tarde, MULLER e PETERSEN demonstraram que essa
diminuição peripherica corresponde a um aumento destas cellulas nos órgãos
abdominaes, e consequentemente, a um incremento nas funcções orgânicas, particularmente do
fígado, accelerando-se a secreção biliar e os processos de desintoxicação. Nenhum efeito sobre
o systema vaso-motôr, sangue ou tecidos se observa nos órgãos cuja innervação autonoma
foi supprimida antes da injecção.
O sistema retlculo-endothelial de ASCHOFF-LANDAU também é poderosamente
estimulado pela autohemotransfusão.
As seguintes experiências provam essa affirmação:
a) — um emplastro de cantharidas, collocado sobre a pelle da coxa, determina a
formação de pequena vesícula. Pois bem, si aspirarmos o conteúdo dessa vesícula num
tubo em U e o centrifugarmos, depois de sêcco e corado, a contagem differencial nos
revelará uma incidência de monocytos por volta de 5 % (os monocytos são os
representantes no sangue circulante do S. R. E.). Após a autohemotransfusão, a cifra
de monocytos, no conteúdo da vesícula, se eleva, em oito horas para 22 % e, após 72
horas, ainda ha 20 %, cahindo a curva gradualmente para voltar ao normal, no fim de sete
dias;
b) — pela prova do Vermelho Congo se evidencia a capacidade de armazenar
corantes do S. R. E. — essa capa cidade accentua-se consideravelmente após a injecção de
sangue;
c) — outro test utiliza a determinação do índice bactericida dos humores,
segundo o methodo de WRIGHT. Após a injecção, o índice mostra um accrescimo, que,
dentro de oito horas, chega a um máximo de 15 a 20 valores normaes. Como
a elevação dos monocytos, a elevação do índice bactericida dos humores prova a
estimulação dos poderes defensivos do organismo, através do S. R. E. ou melhor, para
ceder aos impulsos de um são nacionalismo, sem desattender ás exigências
da boa sciencia, através do systema angio-histio-lacunar de PÓVOA - BERARDINELLI (o
alveolo pulmonar é parte integrante do systema lacunar).
Para os que acceitam as idéas de PIERRE DUVAL, podemos concluir que a
autohemotransfusão actua como elemento desensibilizante, contra a aggressão dos
polypeptidios, que só agem em indivíduos sensibilizados.
Finalmente, estamos inclinados a acceitar a efficacia da autohemotransfusão nas
complicações da tuberculose, visto como ella parece remediar a phase de inferioridade
ou anergia, que a intervenção cirúrgica desperta nos tuberculosos.
A propósito da desprezível quantidade de sangue, que se accumula na ferida
operatória, suggeriu-se que a observação deste sangue poderia tornar uma addicional
autotransfusão desnecessária.
São de METTENLEITER as seguintes palavras : "as alterações physico-chimicas,
na totalidade do sangue e do soro, são tão delicadas e occorrem tão rapidamente, que
nenhuma comparação pôde ser feita entre o sangue retirado de uma veia e reinjectado
intramuscularmente e o sangue accumulado numa ferida para ser absorvido; estes dois
processos são inteiramente differentes".
O sangue tem sobre os outros agentes proteino-therapicos, além das vantagens
de commodidade e economia, a de que a sua absorpção se faz mais promptamente.
Para terimnar, em vista dos nossos excellentes resultados, que confirmam
amplamente as verificações de METTENLEITER, podemos fazer nossas as suas palavras :
"as complicações pulmonares podem surgir, com qualquer espécie ou methodo de
anesthesia, mas a ausência de accommettimentos pulmonares, em nossa série, prova que a
autohemotransfusão e não o typo de anesthesia, responde pelos bons resultados".
Casuística — 150 casos.
1) — intervenções :
Appendicectomias............................................................... 56
C. R. hérnia inguinal ....................................................... 29
Laparatomias exploradoras .............................................. 11
C. R. hérnia inguinal estrangulada.................................. 7
Gastrectomias ...................................................................... 5
Fistulotomias........................................................................ 5
Hemorrholdectomias ............................................................ 5
Inversões da vaginal .......................................................... 5
Sepultamento de ulceras gastro-duodenaes perfuradas.... 4
Operação de Ivanissevitch................................................. 3
Operação de Ombredanne (ectopia testicular) ............ 3
Emasculações totaes............................................................. 3
Anus ilíacos .......................................................................... 3
C. R. hérnias cruraes estranguladas................ .............
Resecções intestinaes .. ........................................ ..............
Exerese de kysto dermoide................................. .............
Salpingectomia ...................................................... ............. 2
Exerese de kystos torcidos do ovário ............. .............
C. R. de fremia umbilical estrangulada......... .............
Amputações de membros .................................... .............
Cholecystectomia ................................................................
Gangliectomia lombar . .. ................................................
Gastroenterostomia . .........................................................
Cerclagem da rotula..........................................................
Operação de Albee (enxerto vertebral).........................
Nephrectomia ......................................................................
Nephrostomia e retirada de calculo ...............................
Trepanação da tíbia .........................................................
Prostatectomia....................................................................
C. R. hernial crural ....................................... ........ 1
Saphenectomia........... .................................... ....................
Arthrotomia ................................................... ....................
Coecopexia ................... .................................... ...................
Castração..................... .......................................................
Sympatectomia periarterial . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Cystostomia .........................................................................
Cholecystostomia ......... .................................... ..................
Drenagem da íosse iliaca direita .................... ........
Esplenectomia .................................................. ..................
2) — Anesthesias :
Local..................................................................................... 62
Balsoformio ........................................................... ............. 50
Rachidiana........................................................................... 20
Ether .................................................................................... 10
Peridural segmentaria ...................................................... 5
Eunarcon .......................................... .................................. 3
3) — Diagnósticos :
Appendicites ........................................................................ 51
Hérnias inguinaes .............................................................. 24
Hérnias inguinaes estranguladas ................................... 7
Fistulas anaes..................................................................... 6
Feridas penetrantes do abdomen ................................... 6
Hemorrhoidas ...................................................................... 5
Hydroceles da vaginal ............................ ........... .............. 5
Ectopias testiculares .........................................................
Ulceras duodenaes....................... ..................................... 4
Ulceras gastro-duodenaes perfuradas ...........................
Varicoceles ...........................................................................
Epithelíomas do penis ...................................... ................
Canceres do recto.............................................................. 3
Hérnias umbilicaes estranguladas ...............................
Peritonites agudas generalizadas.....................................
Canceres do estômago ......................................................
Kystos dermoides...............................................................
Roturas de prenhez ectopica .......................................... 2
Kystos torcidos de ovário................................................
Esmagamentos de membros ............................................
Cholecystite.................................... .....................................
Gangrena do pé ...........................................................
Fractura de rotula ...............................................
Mal de Pott ..................................................................
Fistula estercoral ......................................................
Tuberculose renal .....................................................
Lithiase renal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Osteomyelite aguda .......................................................
Adenoma prostatico ......................................................
Hérnia crural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Varizes da perna .......................................................
Arthrite suppurada do Joelho ................................... 1
Ulcera de perna.. ................................................ .............
Occlusao intestinal .......................................................
Câncer de bexiga ...............................................................
Rotura traumática de baço ............................................
Varicocele pelvice ..............................................................
Ferida penetrante do thorax ..........................................
Pancreatite edematosa, com peritonite biliar sem per-
Furação ...............................................................................
Abscesso appendicular ......................................................
Volvulo da sigmoide..........................................................
VI — RESULTADOS E CONCLUSÕES
1°. — As complicações devidas ao shock : — Só cedem, evidentemente, ao tratamento
do shock (sol. chloretadas hypertonicas e, eventualmente, infusão massiça de café em
clyster). Comtudo, a autohemotransfusão contribue, seguramente, para que sobre ellas
deixem de enxertar-se as complicações do 2°. typo ou infectuosas.
Tivemos muitos casos de manifestações segmentarias de shock na frlbra lisa
trachéo-bronco-pulmonar, porém nenhuma dellas evoluiu para a infecção.
2.° — As complicações infectuosas — não surgiram em nossos 150 casos.
Em vários dos numerosos casos em que deixámos de fazer a autohemotransfusão, a titulo
de contraprova, as complicações infectuosas appareceram, sendo tratadas pela
autohemotransfusão curativa em altas doses (40 a 80 cc.), pelo soro chloretado
hypertonico, álcool, digital, vitamina C, etc.
Commentemos alguns casos interessantes : numerosos doentes se
submetteram à operação com bronchites chro-nlcas ou sub-agudas. Pois bem, após a
operação, fez-se a autohemotransfusão e essas bronchites ou continuaram na mesma,
sem se aggravar ou, então, desappareceram.
De dois doentes que soffreram esplenectomia por ruptura traumática do baço,
em um foi feita a injecção de sangue — alta, curada, em oito dias. Em outro não se fez
a autohemotransfusão e manifestou-se-lhe um foco de condensação na base direita.
Um velho prostatico suffreu uma talha hypogastrica, como tempo prévio á
prostatectomia. Dada a benignidade da intervenção, não lhe fizemos a
autohemotransfusão e se constituiu uma cortico-pleurite.
Curou-se e, operado de prostatectomia, foi-lhe feita a injecção de sangue,
tendo um post-operatorio respiratório normal.
Outro doente, que padecia de mal de Pott, submetteu-se á operação de
ALBEE (enxerto vertebral). Era portador de catarrho chronico das vias aéreas superiores;
foi operado sob anesthesia geral pelo balsoformio e ficou três mezes no leito gessado
sem apresentar a mínima complicação pulmonar, tendo-lhe sido feita a
autohemotransfusão após a operação.
3°. — Complicações devidas á embolia pulmonar. — Não podemos tirar
conclusões seguras a respeito deste ponto,em primeiro lugar, porque tivemos apenas
dois casos e, em segundo, porque só em um foi feita a autohemotransfusão, aliás no
que não morreu. Comtudo, parece-nos que a autohemotransfusão não pôde impedir a
formação de uma thrombophlebile nem que desta se desprendam êmbolos.
4°. — Quanto ás complicações pulmonares post-operatorias nos indivíduos
tuberculosos, parece-nos que a autohemotransfusão age beneficamente no sentido de
corrigir a phase de inferioridade orgânica que o acto cirúrgico desperta nesta classe de
pacientes.
Tivemos quatro casos de intervenções, em indivíduos tuberculosos comprovados,
sem complicação pulmonar post-operatoria : duas appendicectomias, uma nephrectomia por
.tuberculose renal e uma nephrostomia com retirada de calculo coraliforme, em
indivíduo que se havia submettido a pneu-mothorax therapeutico.
Só num caso se desenvolveu uma pneumonia tuberculosa, mas o indivíduo era
portador de tuberculose evolutiva e, operado de appendicite aguda, foi-lhe feita somente
injecção de 10 cc. de sangue, portanto dose insufficiente, metade da que aconselha o
autor do methodo.
Esses casos não nos permittem ainda uma conclusão segura, do mesmo modo
que os de embolia pulmonar.
Não resta duvida que as complicações infectuosas, segundo o critério por nós
estabelecido; são prevenidas seguramente pela prática da autohemotransfusão.
O texto foi transcrito de http://www.davidpecis.com.br/downloads/auto-hemoterapia.pdf